Obstetrician Gynaecologist
HPA Magazine 22 // 2024
EFEITOS DA GRAVIDEZ NA ENDOMETRIOSE
Há poucas décadas pensava-se que a gravidez era a cura para a endometriose, mas atualmente sabemos que esta relação está longe de ser linear.
Os sintomas de endometriose geralmente aliviam durante a gestação por efeito do aumento de progesterona, uma hormona que coloca as células endometriais em repouso. Esta melhoria é limitada à gravidez e amamentação, retornando depois a doença ao seu estado clínico inicial.
Numa minoria das grávidas, a dor pode manter-se ou aumentar: por um lado, se houver aderências resultantes de endometriose (cicatrizes internas), o aumento das dimensões do útero pode tracioná-las e provocar desconforto; por outro lado, há o aumento de outra hormona, o estrogénio, que pode estimular o crescimento e atividade das células endometriais.
Podem ocorrer ainda complicações agudas, mas muito mais raras. Se houver previamente um endometrioma, uma coleção de sangue no ovário, este pode sofrer aumento de volume, rotura ou infeção. Há ainda maior probabilidade de ocorrer apendicite, perfuração do intestino ou hemoperitoneu espontâneo, isto é, hemorragia interna no interior do abdómen. São também ocorrências raras a rotura uterina, perfuração das vias urinárias ou hemotórax espontâneo (hemorragia em torno do pulmão).
EFEITOS DA ENDOMETRIOSE NA GRAVIDEZ
A infertilidade é a primeira barreira das mulheres com endometriose em relação à gravidez, afetando cerca de 30% das pacientes. Inversamente, cerca de 70% engravidam espontaneamente.
A maioria das gestantes com endometriose poderá usufruir de uma gravidez sem complicações. Este facto não invalida que haja um aumento da probabilidade de intercorrências que importa conhecer.
No primeiro trimestre aumenta o risco de aborto espontâneo e gravidez ectópica (gravidez localizada fora do útero).
A rotura prematura de membranas pré-termo consiste na rotura da bolsa de águas antes da gestação ter atingido as 37 semanas, sendo uma situação tanto mais grave quanto mais cedo ocorrer. Considera-se placenta prévia quando esta se localiza sobre ou muito próximo do colo do útero, condicionando o risco de descolamento deste órgão em relação à parede uterina e consequente hemorragia, obrigando a um parto por cesariana. Os fetos com restrição de crescimento fetal apresentam peso abaixo do previsto para a sua idade gestacional.
Há ainda aumento do risco de diabetes gestacional, hipertensão gestacional e/ou pré-eclâmpsia, doença específica e potencialmente grave da gravidez que cursa com aumento da tensão arterial e grau variável de disfunção multiorgânica.
Se um feto tiver uma posição no útero diferente da cefálica, será necessário proceder a uma cesariana para garantir um parto seguro. A colestase intra-hepática da gravidez consiste numa doença das vias biliares específica da gestação.
No período peri-parto podemos depararmo-nos com as seguintes condições adversas: parto pré-termo (nascimento antes das 37 semanas de gestação), parto distócico ou por cesariana, hemorragia pós-parto, necessidade de internamento do recém-nascido na Unidade de Cuidados Intensivos Neo-Natais e, muito raramente, morte peri-natal.
Sabemos que muitas grávidas com endometriose terão uma gestação sem intercorrências, mas muitas apresentarão desafios acrescidos que impera saber reconhecer e resolver, para garantir um desfecho feliz para a mãe e bebé. Para tal é necessário um esforço conjunto da futura mãe, da sua família e de uma equipa de saúde multidisciplinar com conhecimento e experiência na abordagem desta condição.
À medida que o conhecimento sobre esta entidade se for expandindo, aguarda-se que as sociedades científicas e entidades governamentais emitam protocolos específicos para a sua vigilância e tratamento.